Achei que, como meu irmão mais velho, aos 18 anos eu ia tirar a carteira de motorista, ganhar um carro e sair dirigindo por aí. Imagina a minha surpresa quando fiz 18 e me disseram que eu era menina e não precisava dirigir. Fui tirar a carteira só aos 22. O processo foi conturbado, mas aconteceu. Reprovei uma vez no psicotécnico (sim, eu tive que refazer o teste psicotécnico) e uma vez na prova prática, e finalmente recebi a carteira. Só que eu ainda não me sentia pronta. Cada vez que pegava o carro, achava que uma grande catástrofe ia acontecer, e quanto mais esse medo ia crescendo, mas eu fui abandonando a direção, e maior ficava o medo. Quando eu vi, o que era insegurança tinha virado fobia. Era sentar no banco do motorista para a mão começar a suar e tremer. Ofegante e com o coração acelerado, eu não conseguia mais prestar atenção em nada.
Esse é o resumo da minha história com o maior medo que me persegue há uns 10 anos.
É importante aprender a dar nome as coisas. Na tentativa de achar uma palavra exata para o que sentimos, pinçamos delicadamente o fio visível que estava na superfície e começamos a puxar toda a peruca escondida por baixo.
O meu medo de dirigir, talvez esconda complexos como medo de errar, medo de não ser boa o bastante ou o que acredito ser o principal: medo da independência.
Eu não sei qual é o seu grande medo, mas tenho certeza que compartilhamos algo em comum: se a gente começa a dar muita voz para o que nos paralisa, nos tornamos reféns das aflições. Incontáveis vezes, esses medos silenciosamente sequestram nossos planos, relegando desejos ao abandono.
A necessidade pode ser um caminho em que a gente se vê obrigada a ser corajosa, mas não é o único. É possível escolher a coragem como rota.
Mas então, como virar o jogo para vencer o que nos amedronta? Sendo fiel aos nossos desejos.
O que nos impede de perseguir nossos sonhos é que a gente quer, mas não deseja. Tem uma grande diferença entre querer e desejar. O mero querer não é suficiente para nos impulsionar à ação; é o medo quem vence essa guerra.
O desejo, por outro lado, é o combustível da coragem para acalmar as objeções que a mente elabora. A ação se torna inevitável. Não há um porém que resista a um desejo consciente inato.
É com essa motivação que a gente se mexe para curar traumas, arrumar a vida e levantar tempo, dinheiro e disposição para fazer acontecer. Não é fácil e às vezes, leva tempo, porque a vida pede prioridades. Mas mais difícil do que esperar muito é calar nossas vontades.
Passei mais de meia hora narrando para minha terapeuta de onde vinha a minha fobia de dirigir sozinha e porque eu não conseguia vencê-la. Ela disse, sem dó, que não via em mim um interesse real em dirigir. Fiquei tão perturbada com isso que quis provar que ela estava errada.
Semana passada foi a primeira vez em 8 anos que peguei o carro sozinha. Apavorada, cheia de medo, e ansiando vencer logo essa paralisia. Hoje sei que a vitória é uma construção que leva tempo, mas estou no caminho.
Talvez você saiba o tanto de rolês loucos que já fiz pelo mundo (vários inclusive sozinha) e que me renderam a fama de destemida. É comum me dizerem, quando vem conversar comigo sobre os planos de alguma viagem mais ousada, coisas como: “eu tenho vontade de fazer, mas não acho que sou capaz”, ou “não sei se consigo, não sou corajosa igual você”.
Gente cheia de sonhos, matando desejos por não enxergarem o tamanho da sua própria coragem.
A coragem é inata, nasce conosco, mas precisa de espaço e tempo para crescer. E sabe da onde ela brota? Daquele medo paralisante.
Paradoxal, não? Só se torna coragem quem primeiro foi medo.
Dizer: “não sou corajosa, logo não vou tentar”, é o mesmo que dizer “não sou maratonista, logo não vou começar a correr”.
Ninguém nasce corajoso, torna-se.
Coragem é uma conquista diária, cresce devagarinho. Ganha força cada vez que a gente leva nosso medo junto para passear. Só vencemos a batalha encarando-a de frente, com todo o amor do mundo, e passando pelo desconforto que essa alquimia gera. E sim, vai doer. Muito!
Sei bem que o que mais queremos é vencer o medo sem passar pelo mal-estar, mas esse caminho não existe. Não há atalhos. A travessia é um processo, e para cruzar a linha de chegada, temos que cruzar a dor.
Vai doer, vai ser desafiador, mas vai passar. E quando passar, você vai se sentir a pessoa mais forte e invencível do mundo. No lugar do medo, haverá coragem.
O QUE ACONTECE QUANDO O QUE SOBRA É CORAGEM?
O céu é o limite.
Encontrar a coragem dentro da gente talvez seja o real caminho para a liberdade.
Eu quero seguir na busca por ser livre. E você?
Fico por aqui. Um abraço carinhoso e até a próxima.
Le Mueller <3